EXISTE UMA UMBANDA MELHOR DO QUE A OUTRA?
Salve,
Salve! Quantas Umbandas você, caro leitor conhece? Dá pra colocar tudo em um
saco só, misturar e dizer que é Umbanda? Dá pra qualificar? Sabemos que existem
várias correntes de pensamento dentro da Umbanda, e também há muitas formas de
praticá-la. Não considero nenhuma das correntes melhor ou pior e nem mais ou
menos importante para a consolidação da desta religião. Todas foram, são e
sempre serão boas e importantes. No fundo, no fundo, acredito que a Umbanda se
resuma numa só palavra: Intenção. Explico: Se a intenção for boa, é Umbanda. Se
não, Não é. Simples assim! O texto abaixo é retirado do livro História da
Umbanda, de Alexandre Cumino. Foi editado para uma melhor compreensão.
Boa Leitura!
Felipe Couto
UMBANDAS
Há quem
defenda um “tipo ideal” de Umbanda, descartando outras formas de praticá-la.
Assim, uns reconhecem e outros negam as várias Umbandas, creio que podemos
trilhar um caminho do meio, no qual a Umbanda é uma na essência e diversa nas
formas de praticá-la. O UM da Unidade e a BANDA da Diversidade.
A liberdade
litúrgica permite certas variantes, desde que estas não desvirtuem seus
fundamentos básicos. A pluralidade deve existir enquanto não coloca em risco a
unidade. Por unidade podemos entender seus fundamentos básicos, o que deve
estar presente em todas as formas ou pelo menos na maioria delas. Portanto, é
pela unidade que definimos Umbanda e não pela diversidade, que são as diversas
maneiras de praticar esta unidade.
Por exemplo,
podemos ter como fundamento básico de sua unidade a definição de Umbanda dada pelo
Caboclo das Sete Encruzilhadas, por meio de seu médium Zélio de Moraes, em 15
de Novembro de 1908: Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da
caridade. Esta definição está em sua unidade, faz parte de seus fundamentos
básicos, não cobrar pelos trabalhos, logo ela pode ter variantes, mas nenhuma
das tais deve apresentar-se cobrando para realizar trabalhos espirituais. Pois
neste ponto a “diversidade” colocaria em risco a “unidade”. Desta forma, falar
de Umbanda é falar de sua unidade assim como falar de Umbandas é falar de sua
pluralidade.
Abaixo
apresento algo desta pluralidade ou se preferir Diversidade, para nossa
reflexão:
•Umbanda
Branca: O termo pode ter surgido da definição de Linha Branca de Umbanda
usada por Leal de Souza e adotada por tantos outros. A ideia era de que a
Umbanda era uma “Linha” do Espiritismo. Ao afirmar a Umbanda como Branca
subentende-se muitas coisas, entre elas que possa haver outras umbandas, de
outras cores e. Mas a questão de ser branca está muito mais ligada ao fato de
associar ao que é “claro”, “limpo”, “leve” ou simplesmente ausente do “preto”,
“escuro” ou “negro” – há um preconceito subentendido – afinal é uma Umbanda mais
“branca” que “negra”, mais europeia que afro e, porque não, mais Espírita.
Geralmente usa-se esta qualificação, “Umbanda Branca”, para definir trabalhos
de Umbanda com a ausência do que chamamos de “Linha da Esquerda”, para Leal de
Souza uma “Linha Negra”. Ainda hoje muitos se identificam desta forma e geralmente
o usam como um “recurso” para “livrar-se” do preconceito de outros... como a
dizer: Sou Umbandista, mas da Umbanda Branca – como quem afirma pertencer à “Umbanda
boa”. Não há uma “Umbanda Negra” ou uma “Umbanda Ruim”, toda Umbanda é Boa.
•Umbanda
Pura: Ao propor o Primeiro Congresso de Umbanda em 1941 o grupo que assumiu
esta responsabilidade esperava apresentar uma “Umbanda Pura” (“desafricanizada”
e “orientalizada”), praticada pela classe média no Rio de Janeiro. É a Umbanda
praticada pelo “grupo fundador da Umbanda” ou simplesmente o grupo intelectual
carioca que lutou pela legitimação da Umbanda, criando a Primeira Federação
Espírita de Umbanda do Brasil, Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de
Umbanda e o Primeiro Jornal de Umbanda. Este grupo pretendia uma “codificação”
da Umbanda em seu estado mais puro de ser. Embora a ideia de uma “Religião
Pura” sempre será algo a ser questionado, independente de qual tradição lhe
tenha dado origem. Do ponto de vista Histórico, Sociológico, Antropológico e
até Filosófico, não há “Religião Pura”. Por trás de uma cultura sempre há outras
culturas que lhe deram origem, sucessivamente desde que o Homem é homo
sapiens também é homo religiosus. O
Antropólogo Arthur Ramos afirma que: “As formas mais adiantadas de religião, mesmo
entre os povos mais cultos, não existem em estado puro. Ao lado da religião
oficial, há outras atividades subterrâneas...”. E o já citado Historiador das
Religiões, Mircea Eliade, afirma: “Mas nunca será demais repetir que não há a menor
probabilidade de se encontrar, em parte alguma do mundo ou da história, um
fenômeno religioso ‘puro’ e perfeitamente ‘original’.” “Nenhuma religião é inteiramente
‘nova’, nenhuma mensagem religiosa elimina completamente o passado; trata-se,
antes, de reorganização, renovação, revalorização, integração de elementos – e
dos mais essenciais! – de uma tradição religiosa imemorial.”
•Umbanda
Popular: É a prática da religião de Umbanda sem muito conhecimento de
causa, sem estudo ou interesse em entender seus fundamentos. É uma forma de
religiosidade na qual vale apenas o que é dito e ensinado de forma direta pelos
espíritos. O único conhecimento válido é o que veio de forma direta em seu
próprio ambiente ritualístico. Não se costuma fazer referências a outras
filosofias ou justificar suas práticas de forma “intelectualizada”. Eximindo-se
de autoexplicar-se reforçam a característica mística da religião, em que,
independente de “racionalizações” a prática se sustenta devido à quantidade de
resultados positivos alcançados. Podemos dizer que os adeptos muitas vezes não sabem
ou têm certeza de como as coisas funcionam, mas sabem que funcionam. É aqui que
muitas vezes nos deparamos com médiuns que afirmam, sobre a Umbanda, que não
sabem de nada o que estão fazendo, mas que seus guias espirituais (caboclo e
outros) sabem e isto lhes basta. Outrora, alguns, afirmam que médium não pode
saber de nada de Umbanda para não mistificar. Muitos caem na armadilha do
tempo, em que jovem de outrora agora já sabe de muita coisa que finge não saber
para manter esta ideia de que nada deve saber
•Umbanda
Tradicional: Esta qualificação serve tanto para identificar a “Umbanda
Branca”, “Umbanda Pura” ou “Umbanda Popular”. Que são as formas mais antigas,
mais conhecidas e mais populares de praticar Umbanda, muito embora este perfil
esteja mudando. Creio que hoje os terreiros que se adaptaram para uma linguagem
mais jovem, mais intelectualizada e racional estão em franco crescimento.
•Umbanda
Esotérica ou Iniciática: É uma forma de praticar a Umbanda estudando os
fundamentos ocultos, conhecidos apenas dos antigos sacerdotes egípcios, hindus,
maias, incas, astecas etc. O conhecimento esotérico, ou seja, fechado e oculto
dos arcanos sagrados, é desvelado por meio de iniciações. Foi idealizada com
inspiração na obra de Blavatski, Ane Bessant, Saint-Yves D’Alveydre, Leterre,
Domingos Magarinos (Epiaga), Eliphas Levi, Papus etc. Os fundamentos esotéricos
da Umbanda foram organizados pela Tenda Espírita Mirim e apresentados, alguns
deles, no Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda. O primeiro
autor que trouxe este tema para a literatura umbandista foi Oliveira Magno,
1951, com o título A Umbanda Esotérica e Iniciática.
Como vimos no capítulo anterior e veremos nos capítulos posteriores, recebeu
contribuições de Tata Tancredo e Aluízio Fontenelle. A Primeira Escola
Iniciática Umbandista, que se tem notícia, foi o Primado de Umbanda, mais uma
iniciativa do Caboclo Mirim. Já na segunda e terceira geração de autores
Umbandistas surgirão outros autores dentro deste seguimento. Costumam citar a
origem da Umbanda na Atlântida ou
Lemúria, no
mito do AUMBANDÃ, que seria a forma mais “pura” de Umbanda.
•Umbanda
Trançada, Mista e Omolocô: São nomes usados para identificar uma Umbanda
praticada com influência maior dos Cultos de Nação ou do Candomblé Brasileiro
onde se combina os fundamentos e preceitos oriundos das culturas africanas com
as entidades de Umbanda. Podem-se ter os tradicionais rituais de Camarinha,
Bori, Ebós e oferenda animais com seus respectivos sacrifícios. Muitos chamam esta
variação de Umbandomblé. O autor, médium, sacerdote e presidente de Federação
que mais defendeu a origem africana da Umbanda foi o conhecido Tata Tancredo.
Autor de inúmeros títulos de Umbanda, publicou seu primeiro livro Doutrina
e Ritual de Umbanda, 1951, em parceria com Byron Torres de Freitas e é defensor da
variação chamada de Omolocô, da qual é seu idealizador no Brasil.
• Umbanda
de Caboclo: É uma variação de Umbanda onde prevalece a presença do caboclo,
muitas vezes acreditando que a Umbanda é antes de tudo a prática dos índios
brasileiros revista pela cultura moderna e doutrinada com conceitos que foram
sendo absorvidos com o tempo. Decelso escreveu o título Umbanda
de Caboclo para explicar esta variação de Umbanda.
•Umbanda
de Jurema: No nordeste existe um culto popular chamado Catimbó ou Linha dos
Mestres da Jurema, que combina a cultura indígena com a cultura católica,
somando valores da magia europeia e de quando em vez algo da cultura afro. O
principal fundamento é o uso da Jurema Sagrada, como bebida e também misturada
no fumo, que vai ao fornilho do tradicional cachimbo, também chamado de
“marca”, feito de Jurema ou Angico. As entidades que se manifestam são chamadas
de Mestres e da Jurema. Umbanda herdou a manifestação do Mestre Zé Pelintra,
que pode vir como Exu, Baiano, Preto-Velho ou Malandro. Quando se combinam os
fundamentos de Umbanda e Catimbó temos esta modalidade, que pode ser uma
Umbanda regional de Pernambuco ou praticada de forma intencional pelo
umbandista que se interessou pela Jurema e descobriu a Linha de Mestres dentro
de sua Umbanda.
•Umbandaime:
O Santo Daime é uma religião nativa do Amazonas, é uma variação da Ayuasca, que
é um chá preparado com duas ervas de poder, o cipó Mariri e a folha da
Chacrona. De tanto ter visões de entidades de Umbanda e Orixás em rituais do
Daime é que alguns grupos de umbandistas passaram a praticar Umbandaime, ou
seja, trabalhos de Umbanda ingerindo o Daime ou rituais de Ayuasca, para se
comunicar com as entidades de Umbanda. A Umbanda em si não tem em seus fundamentos
o uso de bebidas enteógenas, além dos tradicionais café, cerveja, vinho,
“pinga”, batida de coco e outros que servem apenas como “curiador” (elemento
usado para potencializar alguma ação espiritual ou magística), cada linha de
trabalho tem sua “bebida-curiadora”, no entanto nem a bebida nem o fumo são
carregados de erva que induza o estado de transe. A própria bebida deve ser controlada.
Podem, no entanto ser consideradas bebidas de poder como o “vinho da jurema”,
no entanto a bebida não é o centro do ritual, apenas um elemento auxiliar. No
caso do Daime, este está no centro do culto, o poder que se manifesta por meio
do chá é que conduz o adepto. Na Umbanda quem conduz o trabalho são os
espíritos guias, com daime ou sem daime.
•Umbanda
Eclética: Chama-se de Eclética a Umbanda que mistura de tudo um pouco. Os Orixás
com Mestres Ascensionados e divindades hindus por exemplo. Recorrem à conhecida
Linha do Oriente para justificar a presença de tantos elementos diferentes do
Oriente e Ocidente junto ao esoterismo, ocultismo e misticismo.
•Umbanda
Sagrada ou Umbanda Natural: Tem como forte o culto à natureza. Natural é a Umbanda regida pelos Orixás, que
são senhores dos mistérios naturais, os quais regem todos os polos umbandistas
aqui descritos. Muitos optam por substituir a designação de “Ritual de Umbanda
Sagrada”, dada à Umbanda Natural.
•Umbanda
Cristã: A Umbanda, fundada no dia 15 de Novembro de 1908, tem no Caboclo
das Sete Encruzilhadas a entidade que lançou seus fundamentos básicos, logo na
primeira manifestação esta entidade já esclareceu que havia sido, em uma de
suas encarnações, o Frei Gabriel de Malagrida, um sacerdote cristão queimado na
“Santa Inquisição”, por ter previsto o terremoto de Lisboa, e que posteriormente
nasceu como índio no Brasil. Ao dizer qual seria o nome do primeiro templo da
religião, Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, porque “assim como Maria
acolheu Jesus da mesma forma a Umbanda acolheria seus filhos”, já dava uma
diretriz cristã à nova religião. Há um conto sobre o Caboclo das Sete
Encruzilhadas que diz ter sido chamado por Maria, Mãe de Jesus, para semear a
nova religião. Todo trabalho e doutrina de Zélio de Moraes têm este perfil
cristão, subentendendo Umbanda Cristã, antes de ser “Umbanda Branca” ou
“Umbanda Pura”, outros adjetivos que já foram associados a sua forma de
praticá-la. Jota Alves de Oliveira escreveu um título chamado Umbanda
Cristã e Brasileira, no qual encontrarmos a citação abaixo:
“A
Orientação Doutrinária do evangelizado Espírito do Caboclo das Sete
Encruzilhadas nos levou a considerar e historiar seu trabalho enriquecido das
lições do evangelho de Jesus, com a legenda: Umbanda Cristã e Brasileira.”
Outro
elemento que endossa a qualidade cristã da Umbanda é o arquétipo dos Pretos e
Pretas velhas, são ex-escravos batizados com nomes católicos e que trazem muita
fé em Cristo, nos Santos e Orixás. As qualidades cristãs e a presença dos
santos católicos confortam e tranquilizam quem entra pela primeira vez em um
templo umbandista, muito embora não se limite a adornos e sim a uma presença espiritual
dos mesmos.
Qualificar
ou não qualificar?
Quase todos
os assuntos doutrinários e teológicos da Umbanda, quando aprofundados, criam polêmicas
pelo fato de nos encontrarmos em uma religião nascente, ainda em formação, que
em muito lembra o cristianismo primitivo com suas divergências internas. Vejamos
a questão de Cristo na Umbanda, na qual para um ex-católico Cristo é Deus, para
um espírita, Cristo é um mestre ou irmão mais velho da humanidade, já um
ex-muçulmano vê em Cristo um profeta. Este é um dos exemplos pelos quais surgem
as Umbandas, outro seria o fato de sua constante evolução e transformação. A
Umbanda ainda possui esta flexibilidade, não impõe, antes aceita as diferentes
formas de interpretar os mistérios de Deus.
Ali está uma
boa parte dos fundamentos da Umbanda, seu ritual é aberto ao aperfeiçoamento constante...
E por que isso? Simples: tudo o que as grandes religiões castram nos seus fiéis
o ritual umbandista incentiva nas pessoas que dele se aproximam [...]. Fica
fácil entender que as formações religiosas anteriores influenciam o ponto de
vista do umbandista gerando seguimentos, assim como suas áreas de maior interesse
cria todo um campo a ser explorado dentro da própria Umbanda, como ferramenta
para alcançar certos mistérios da criação. No entanto, a Umbanda não pode ser
contida, ou apreendida no seu todo por quem quer que seja. O mais que alguém
poderá conseguir será captar partes desse todo.
Por mais
válidas que sejam as segmentações, por mais que se autoafirmem ser “a
verdadeira” Umbanda ou a “Umbanda Pura”, nenhuma destas “umbandas” dá conta do TODO
que é Umbanda. Particularizar, segmentar, é reduzir, para entender o todo há de
se buscar um “mirante” privilegiado, no qual se possa vislumbrar todas as
umbandas e “A” Umbanda ao mesmo tempo. Pela “parte” não se define o “todo”, mas
pela “unidade” se busca uma “essência”, um fundamento e base. No fundo é
possível praticar Umbanda, simplesmente, livre de qualificações, adjetivos,
atributos ou atribuições. Basta dizer-se umbandista, e quando perguntarem:
“- De que
Umbanda você é?”
É mais do
que suficiente responder apenas:
“- Umbanda.”
Da mesma
forma é possível a alguém ser cristão independente de Catolicismo,
Protestantismo, Luteranismo, Metodismo, Calvinismo, Pentecostalismo, mas não é
possível negar que existam diferentes vertentes dentro do Cristianismo, e da
mesma forma com a Umbanda.